Num momento mais que propício, diante das muitas mobilizações e protestos espalhados pelo Brasil a fora, inclusive a dos servidores administrativos do MTE prevista para o próximo dia 2(terça-feira), a AFITEPE selecionou um artigo de autoria da servidora administrativa da SRTE-PE, Neide Belém. No artigo, a servidora relata o episódio de um manifestante, metalúrgico, que saiu de São Paulo para protestar em Brasília, e quais as maneiras que arranjou para chamar atenção à sua causa. Como muitos brasileiros, visibilidade era tudo que queria para mostrar e dá o seu recado! Confira artigo na íntegra!
Meu país, eu existo!
No início das manifestações programadas para o dia 13/04/11, em Brasília, presenciamos uma cena que certamente fez com que os mais de 15 mil servidores presentes na Esplanada dos Ministérios para as manifestações daquele dia, em especial, nós do MTE, refletíssemos sobre o significado do protesto do homem que, diante dos olhos de turistas e manifestantes, escalou o mastro da Praça dos Três Poderes e queimou um pedaço da bandeira nacional.
O protestante buscou estar num lugar onde fosse notado nacionalmente pelos Poderes de sua pátria, margeado por monumentos históricos e ao lado do Panteão da Pátria, um monumento construído em homenagem a heróis nacionais. Comentou-se que ele levou para a escalada cerca de trinta quilos de alimentos, o que indicava estar disposto a permanecer dias em uma altura de cem metros, no centro de concentração dos poderes e decisões mais importantes para o povo brasileiro.
Ele certamente estava acostumado a não ser notado, por isso a bagagem pronta para passar dias ali, tão próximo e sem ser percebido pelas pessoas que decidem seu destino. Assim como nós, servidores administrativos do MTE, aquele homem estava acostumado a não ser notado e isso o levou àquela atitude extrema. Pensamos que o sorveteiro, um senhor de uns sessenta anos, exagerava quando dizia às pessoas impressionadas que aquele não era o primeiro protesto daquele tipo, que era comum as pessoas protestarem tentando escalar o mastro. Isso se comprovou há poucos dias, quando também um ex-soldado, protestando contra a demissão de militares concursados, provocou um estrago ainda maior na bandeira: queimou a nova bandeira, justo a que substituiu aquela queimada no início do mês.
Foi inevitável lembrar Renato Russo ao ver o sorveteiro , as câmeras e a gente da TV que filmava tudo ali sob o famoso céu azul de Brasília. Ali, naquela claridade, era impossível não ser visto, mas o protestante mesmo assim temia e chamou a imprensa para dizer o que, segundo ele, precisava ser ouvido, notado e valorizado pelo seu país. O que ele conseguiu com o protesto? Pelo pouco que foi noticiado, ele mora em São Paulo, foi preso em Brasília, não tem dinheiro para pagar advogado, é metalúrgico e está desempregado.
Quando comentávamos entre nós, os resistentes guerreiros da família MTE sobre aquele fato tão marcante, concluímos que aquele protestante poderia ser um de nós.
Assim como o homem que protestava contra o preconceito racial e devastação da floresta amazônica, somos uma minoria que sofre preconceito e discriminação salarial. Protestamos em todos os nossos estados, protestamos na Esplanada dos Ministérios, na Rodoviária do Plano Piloto, nas coletivas de imprensa dos candidatos à presidência, falamos com inúmeros parlamentares e até com o então Presidente da República, recorremos à justiça e ainda não conseguimos ser ouvidos, notados, valorizados.
Assim como ele, estamos há muito tempo tentando chamar a atenção do nosso país e exigimos o direito de sermos tratados com igualdade. No órgão em que trabalhamos, muitas vezes dividimos a mesma sala com os auditores que têm sua carreira reconhecida e recebem um salário até nove vezes maior que o nosso e nós não temos ainda um plano de carreira, mesmo após a justiça ter reconhecido ser esse um direito nosso. Da mesma forma que ele, após muita desilusão, estamos preparados para esperar e resistir com a nossa bagagem para muitos dias e muitas lutas.
Nós, administrativos do MTE, protestamos naquele dia olhando para a bandeira do Brasil faltando um pedaço. Em nossas mentes e da nossa experiência recente, depreendemos que este país ainda não é para todos e muito ainda há a ser feito para que os cidadãos e trabalhadores deste país não precisem chegar a tão extremo ato para dizer “meu país, eu existo!”
NÓS, SERVIDORES ADMNISTRATIVOS DO MTE.
por Neide Belém – PE
Fonte: AFITEPE